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Hoje celebramos o aniversário de 74 anos do papai e, daqui a um mês, os 10 anos de sua passagem. Fico na dúvida se alguma vez disse para ele o quanto me ensinou — mesmo que, às vezes, de um jeito meio torto, direto ao ponto, “à la” virginiano, quase grosso. Mas sim, ele me ensinou muita coisa sobre trabalho e oportunidades. Já falei isso na terapia, para amigos, para a mãe, para o marido, mas nunca falei diretamente ao principal personagem.

Então, para celebrar esse seu aniversário, quero registrar aqui uma lista de momentos pai e filha que ele me deixou nesta vida e na minha memória para sempre. Te dedico, papai:


Uma Carta Para o Meu Pai, 10 Anos Depois

Meu pai era músico, produtor musical, criador de jingles publicitários e tudo mais ligado à música. Foi empresário das Frenéticas, lançou um álbum maravilhoso intitulado Nasceu, que você pode escutar aqui, aqui  — e, por incrível que pareça, esse álbum pode ser encontrado à venda no Ebay,  Amazon (!) e outras plataformas. Trabalhou como produtor do Ultraje a Rigor por anos, junto com o querido Cacá, produziu outros shows, teve um estúdio de música e jingles, fez música para o Roberto Carlos, trabalhou na gravadora Biscoito Fino e por aí vai. Ou seja, meu pai conhecia muita gente e tinha muitos contatos.



Quando eu tinha uns 11 anos, cismei que queria trabalhar com cinema. Uma vez, ao me buscar de uma festinha, ele me convidou para dar um pulo no Canecão — para quem não sabe, era uma casa de shows no Rio, simplesmente a meca dos grandes artistas. Ele tinha sido chamado para assistir ao show do Ed Motta e me convidou para ir junto. Eu, boba, disse que não queria. Mais tarde, quando voltou, me explicou que aquela era uma oportunidade de conhecer alguém que podia conhecer alguém — e isso era importante para quem queria construir uma carreira no meio artístico, criativo, cultural. Ou seja, networking! Nunca mais esqueci. Desde então, sempre que surgia uma oportunidade dessas, eu abraçava.


Uma Carta Para o Meu Pai, 10 Anos Depois

Mais adolescente, quis enveredar pela cenografia, figurino e afins. Meu pai, através de seus contatos, conseguiu para mim a chance de participar de uma série de comerciais de uma marca de geladeira. Pude acompanhar a cenografista e assistir de perto às gravações dirigidas pelo Manguinha. Foi mágico! Mais uma do meu pai, que me deu esse empurrão e a lição de ser cara de pau — mesmo sem experiência, mostrar curiosidade já me abria portas.


Foi para ele também que contei quando fui assediada no caminho da aula de inglês, com apenas 12 anos. Eu cortava caminho por dentro de um mercado, e um homem me assediou lá. Ele me esperou na saída do curso e repetiu o assédio na rua. Ao chegar em casa, contei tudo ao meu pai, que me abraçou, conversou comigo e, a partir daí, passou a me levar e buscar sempre. Isso me trouxe confiança e segurança.


Não posso esquecer que, a cada apresentação minha — desfiles de faculdade de moda, aulas criativas que inventei quando dava aula de inglês, um pitch de série de TV no curso de roteiro, até a trilha de um vídeo final da minha antiga agência de marketing de conteúdo — meu pai sempre desenvolveu a trilha sonora de cada um desses projetos. A música sempre fez parte da minha vida por causa dele.


Uma Carta Para o Meu Pai, 10 Anos Depois
Meu primeiro desfile - a trilha que ele fez foi super comentada e mega moderna! O tema era os experimentos com a ovellha Dolly, clones e elementos artificiais.

E como não lembrar dos meus animados aniversários? Meu pai esteve em todos e, além disso, foi em muitas das festas e dançou até se acabar. Clássico dos clássicos foi essa festa da foto — quem estava lá, lembra até hoje.


Uma Carta Para o Meu Pai, 10 Anos Depois

Quando trabalhei por alguns anos na Fleishmann Royal Nabisco, durante um momento mais corporativo da minha vida, ele e minha mãe participaram de uma campanha de vacinação oferecida pela empresa e puderam conhecer minha sala. Ele chorou de emoção e orgulho. Logo depois, decidi largar esse trabalho para fazer um estágio na Sony Music. Fiz a seleção às escondidas, porque sabia que ele não aprovaria, ainda mais largando um emprego estável. Passei e só contei depois. Apesar da decepção inicial, ficou feliz ao descobrir que conhecia algumas pessoas de lá. Depois de um ano, entendi muito bem por que ele dizia para não trocar gato por lebre. Ele sabia das coisas!


Foi meu pai, junto com a mãe, quem apoiou um dos meus projetos mais ousados: criar um mercado de moda para novas marcas, o MULTI. No dia do primeiro evento, em um hostel em Ipanema, eu estava enlouquecida, nervosa. Ao chegar, vendo tudo aquilo que criei — moda, música, comida — ele disse ao meu ouvido:"Não se preocupe, vai dar tudo certo. Se não der, estamos aqui para te apoiar."


Uma Carta Para o Meu Pai, 10 Anos Depois
Dias sem dormir direito e na estreia da MULTI tinha ido dar aula de história da moda e fui direto para abertura do mercado.

Ele também esteve comigo quando desmontei meu apartamento ao me divorciar do meu primeiro casamento. Me ajudou a empacotar tudo e, juntos, nos despedimos do prédio que, por um ano e meio, chamávamos de “nosso clube” por causa da piscina sempre vazia.


Lembro dele ver com tanto orgulho o meu escritório da agência de marketing de conteúdo, que eu dividia com uma amiga e sua empresa de design, no Jardim Botânico. Parecia pinto no lixo de tão feliz!


Chegamos a trabalhar juntos algumas vezes. A primeira foi quando eu tinha 18 anos e fui tradutora de uma banda de punk-rock Krishna-Core — conto essa experiência neste texto aqui — quando vivi uma experiência espiritual muito louca ao lado dele. Depois dessa turnê, a banda lançou o álbum Beyond Planet Earth, no qual nós dois ganhamos uma dedicatória exclusiva — mais um presente inesquecível dessa fase. Anos depois, chamei-o para trabalhar na produção de uma campanha de marketing de guerrilha para o lançamento de um filme através da minha empresa, e também o ajudei na loja de merchandising do show do Chico Buarque. E adivinha onde? No Canecão. Mais de 20 anos depois da primeira lição de networking que ele me deu.


Uma Carta Para o Meu Pai, 10 Anos Depois
Papai do jeito que gostava em casa, sem camisa - morria de calor e com seu estúdio montado na sala na companhia dos filhos e da minha mãe e cervejinha.

Com certeza há mais histórias, mais lembranças, mais lições e momentos de orgulho que vivemos juntos. Mas esses são os que guardo com mais carinho e que me ajudaram a ser quem eu sou — aos trancos e barrancos, mas sempre aprendendo e tendo a famosa cara de pau para correr atrás dos meus sonhos.


Obrigada, papai. 💛

 
 

Quando ouvi pela primeira vez do meu oncologista que o novo tratamento que estou fazendo para essa recidiva não tem uma data específica para terminar — mesmo com um diagnóstico negativo — pensei que, mesmo que levasse alguns anos, em algum momento eu estaria livre disso.


Vou encaixar isso na minha vida — e não o contrário

Mas na minha última infusão essa semana (eu faço a cada três semanas), perguntei de novo, porque estou planejando uma viagem ao Brasil e queria ficar mais tempo do que esse intervalo. Para minha decepção, ele me disse que ainda não pode prever uma data de término. Simplesmente não há dados suficientes, e cada caso é diferente. A única coisa que ele sabe com certeza é: se eu parar, pode voltar.


Nada divertido.


Ele disse que, no fim, serei eu quem terá que decidir se vale a pena pular uma infusão para algo importante — como estender minha estadia no Brasil.


Ouvir isso me trouxe um turbilhão de emoções. Levei dois dias para conseguir escrever sobre o assunto. Nunca imaginei passar por um câncer de mama, muito menos duas vezes. Sem mutação genética, sem histórico familiar, sem maus hábitos de saúde. E mesmo assim… aqui estou. De novo.


E agora, saber que vou depender desse medicamento por um tempo imprevisível, é puxado.


Você pode pensar: “Mas qual o problema? Muitas mulheres com câncer de mama tomam remédio todos os dias por 5 ou 10 anos.” O que pesa pra mim é precisar ir a uma clínica oncológica a cada três semanas. Tomar os pré-medicamentos que bagunçam minha cabeça — especialmente o corticoide. Perder o dia inteiro porque eles me deixam exausta. Depender de alguém pra me levar. Não poder simplesmente planejar uma viagem longa para ver minha família e amigos sem pensar nas datas do tratamento.



Minha vida inteira precisa ser planejada em torno das datas da infusão.


Ainda bem que tirei o acesso, porque aquela coisinha seria minha “amiga para sempre” por tempo demais — e aquilo incomoda muito!


Agora, a única coisa que posso fazer é ressignificar tudo isso. Talvez leve um tempo — ou não. Mas eu preciso encontrar uma forma de encaixar esse tratamento na minha vida, e não viver em função dele. Não quero me sentir escrava disso.


Toda essa jornada com o câncer — a primeira e a segunda — trouxe muita coisa pra refletir. E principalmente, pra me adaptar. É muita coisa pra processar. Mas a única maneira que sei de seguir é ressignificar cada pequeno desafio… e ser grata.


Sim — grata pelas experiências, pelas possibilidades, pela força que a gente tira de dentro e pelo apoio que recebemos. Me dá uns dias. Tô ressignificando.

 
 

Uma das histórias que a minha mãe sempre gostou de me contar e relembrar é da minha cisma em usar certos acessórios ou roupas quando criança, sem explicação ou inspiração em nada ou ninguém. Eu simplesmente cismava e não me importava com olhares alheios ou comentários sobre ser estranho ou cafona. A mais notável história foi a da gravatinha.


A Gravatinha Roxa
Sim, essa sou eu pequenina na foto da escola, usando a minha indefectível gravatinha roxa. 

Lá pelos 7 anos, eu cismei em usar gravatinhas borboleta. Tinha uma principal, de tecido roxo, e uma outra de plástico que usava menos. Cheguei a usar até uma gravata de crochê lilás - sim, de crochê! Mas a que eu mais gostava, e achava cool, era a gravatinha borboleta de tecido na cor roxa. Combinava com os mais diferentes looks — o importante era o acessório estar ali. Era meu, e ninguém mais tinha ou usava algo igual. Lembro de diversas vezes em que íamos sair em família e minha mãe perguntava: “Vai de gravata mesmo?” E eu não tinha dúvida: sim. Vergonha alheia, talvez, para uma mãe. Mas eu tinha a certeza de que estava abafando.


Nunca levei isso para a terapia, mas seria interessante um dia colocar esse tema em pauta. Recentemente, fazendo um exercício de estratégia de marketing, tivemos que analisar como éramos quando criança — nossas aspirações, o que queríamos ser quando crescer, características marcantes e outros traços. E lá veio ela, com toda a sua força fashion: a gravatinha roxa.


Ao analisar esse símbolo tão forte para mim, fui percebendo que, desde cedo, carregava esse sentimento de não pertencimento a um grupo específico ou de não me encaixar em apenas uma “categoria”. E que isso, na infância, não trazia angústia ou questionamentos — era simplesmente viver minha identidade em plenitude. Ter a liberdade de ser quem eu era, mesmo com olhares de reprovação, e seguir em frente.


A Gravatinha Roxa

Isso, mais tarde, foi se transformando em estar um pouco à frente do tempo, às vezes falando mais do que devia ou compartilhando mais do que era “esperado”. Também tive, na vida adulta, momentos em que escondi esse meu lado f*da-se-o-que-os-outros-vão-pensar — me anulando ou me adaptando demais. Mas é claro que, quando chegava a hora de escrever um texto autoral, o tema do pertencimento, da aceitação e da valorização sempre aparecia no meu trabalho.


Desde o primeiro tratamento de câncer, em 2022, esse assunto veio com força total. E agora, nesta segunda leva (que já foi, bye-bye, câncer!), explodiu de vez. A gravatinha roxa virou o meu símbolo interno, pra me lembrar de ser quem eu sou — e não ter vergonha, nem a necessidade (ou seja lá o que for) de não vivenciar isso na sua mais pura essência.


Continuo acreditando na importância da maleabilidade para se adaptar às circunstâncias. Afinal, viver o seu eu verdadeiro é bem diferente de teimosia ou de querer chocar quem é diferente de você. Com a maturidade, a gente entende isso. Porém, a adaptação constante — à vida social, profissional, familiar — tem seu limite. E ele aparece quando você volta à sua infância e se pergunta: onde foi parar aquela criança?


Eu já achei a minha gravatinha roxa de volta. E você?


 
 
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