Uma Carta Para o Meu Pai, 10 Anos Depois
- Rita Avellar
- 28 de ago.
- 5 min de leitura
Atualizado: 28 de ago.
Hoje celebramos o aniversário de 74 anos do papai e, daqui a um mês, os 10 anos de sua passagem. Fico na dúvida se alguma vez disse para ele o quanto me ensinou — mesmo que, às vezes, de um jeito meio torto, direto ao ponto, “à la” virginiano, quase grosso. Mas sim, ele me ensinou muita coisa sobre trabalho e oportunidades. Já falei isso na terapia, para amigos, para a mãe, para o marido, mas nunca falei diretamente ao principal personagem.
Então, para celebrar esse seu aniversário, quero registrar aqui uma lista de momentos pai e filha que ele me deixou nesta vida e na minha memória para sempre. Te dedico, papai:

Meu pai era músico, produtor musical, criador de jingles publicitários e tudo mais ligado à música. Foi empresário das Frenéticas, lançou um álbum maravilhoso intitulado Nasceu, que você pode escutar aqui, aqui — e, por incrível que pareça, esse álbum pode ser encontrado à venda no Ebay, Amazon (!) e outras plataformas. Trabalhou como produtor do Ultraje a Rigor por anos, junto com o querido Cacá, produziu outros shows, teve um estúdio de música e jingles, fez música para o Roberto Carlos, trabalhou na gravadora Biscoito Fino e por aí vai. Ou seja, meu pai conhecia muita gente e tinha muitos contatos.
Quando eu tinha uns 11 anos, cismei que queria trabalhar com cinema. Uma vez, ao me buscar de uma festinha, ele me convidou para dar um pulo no Canecão — para quem não sabe, era uma casa de shows no Rio, simplesmente a meca dos grandes artistas. Ele tinha sido chamado para assistir ao show do Ed Motta e me convidou para ir junto. Eu, boba, disse que não queria. Mais tarde, quando voltou, me explicou que aquela era uma oportunidade de conhecer alguém que podia conhecer alguém — e isso era importante para quem queria construir uma carreira no meio artístico, criativo, cultural. Ou seja, networking! Nunca mais esqueci. Desde então, sempre que surgia uma oportunidade dessas, eu abraçava.

Mais adolescente, quis enveredar pela cenografia, figurino e afins. Meu pai, através de seus contatos, conseguiu para mim a chance de participar de uma série de comerciais de uma marca de geladeira. Pude acompanhar a cenografista e assistir de perto às gravações dirigidas pelo Manguinha. Foi mágico! Mais uma do meu pai, que me deu esse empurrão e a lição de ser cara de pau — mesmo sem experiência, mostrar curiosidade já me abria portas.
Foi para ele também que contei quando fui assediada no caminho da aula de inglês, com apenas 12 anos. Eu cortava caminho por dentro de um mercado, e um homem me assediou lá. Ele me esperou na saída do curso e repetiu o assédio na rua. Ao chegar em casa, contei tudo ao meu pai, que me abraçou, conversou comigo e, a partir daí, passou a me levar e buscar sempre. Isso me trouxe confiança e segurança.
Não posso esquecer que, a cada apresentação minha — desfiles de faculdade de moda, aulas criativas que inventei quando dava aula de inglês, um pitch de série de TV no curso de roteiro, até a trilha de um vídeo final da minha antiga agência de marketing de conteúdo — meu pai sempre desenvolveu a trilha sonora de cada um desses projetos. A música sempre fez parte da minha vida por causa dele.

E como não lembrar dos meus animados aniversários? Meu pai esteve em todos e, além disso, foi em muitas das festas e dançou até se acabar. Clássico dos clássicos foi essa festa da foto — quem estava lá, lembra até hoje.

Quando trabalhei por alguns anos na Fleishmann Royal Nabisco, durante um momento mais corporativo da minha vida, ele e minha mãe participaram de uma campanha de vacinação oferecida pela empresa e puderam conhecer minha sala. Ele chorou de emoção e orgulho. Logo depois, decidi largar esse trabalho para fazer um estágio na Sony Music. Fiz a seleção às escondidas, porque sabia que ele não aprovaria, ainda mais largando um emprego estável. Passei e só contei depois. Apesar da decepção inicial, ficou feliz ao descobrir que conhecia algumas pessoas de lá. Depois de um ano, entendi muito bem por que ele dizia para não trocar gato por lebre. Ele sabia das coisas!
Foi meu pai, junto com a mãe, quem apoiou um dos meus projetos mais ousados: criar um mercado de moda para novas marcas, o MULTI. No dia do primeiro evento, em um hostel em Ipanema, eu estava enlouquecida, nervosa. Ao chegar, vendo tudo aquilo que criei — moda, música, comida — ele disse ao meu ouvido:"Não se preocupe, vai dar tudo certo. Se não der, estamos aqui para te apoiar."

Ele também esteve comigo quando desmontei meu apartamento ao me divorciar do meu primeiro casamento. Me ajudou a empacotar tudo e, juntos, nos despedimos do prédio que, por um ano e meio, chamávamos de “nosso clube” por causa da piscina sempre vazia.
Lembro dele ver com tanto orgulho o meu escritório da agência de marketing de conteúdo, que eu dividia com uma amiga e sua empresa de design, no Jardim Botânico. Parecia pinto no lixo de tão feliz!
Chegamos a trabalhar juntos algumas vezes. A primeira foi quando eu tinha 18 anos e fui tradutora de uma banda de punk-rock Krishna-Core — conto essa experiência neste texto aqui — quando vivi uma experiência espiritual muito louca ao lado dele. Depois dessa turnê, a banda lançou o álbum Beyond Planet Earth, no qual nós dois ganhamos uma dedicatória exclusiva — mais um presente inesquecível dessa fase. Anos depois, chamei-o para trabalhar na produção de uma campanha de marketing de guerrilha para o lançamento de um filme através da minha empresa, e também o ajudei na loja de merchandising do show do Chico Buarque. E adivinha onde? No Canecão. Mais de 20 anos depois da primeira lição de networking que ele me deu.

Com certeza há mais histórias, mais lembranças, mais lições e momentos de orgulho que vivemos juntos. Mas esses são os que guardo com mais carinho e que me ajudaram a ser quem eu sou — aos trancos e barrancos, mas sempre aprendendo e tendo a famosa cara de pau para correr atrás dos meus sonhos.
Obrigada, papai. 💛
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