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Nas últimas semanas, tenho escutado isso de pessoas que encontro por aí — seja na aula de yoga, no ensaio da peça, em uma reunião de trabalho ou na quinta visita médica do mês. O “estar ótima”, aos olhos de quem sabe (ou acaba sabendo) que estou fazendo químio a cada três semanas, que passei por quatro cirurgias em apenas dois meses e ainda estou no processo de reconstrução do seio que foi retirado — e que, pasmem, ainda não acabou — parece causar espanto. Afinal, seja lá o que esse “ótima” quer dizer, eu me sinto uma bosta.


Mas você está ótima!

No mês da consciência sobre o câncer de mama, o Outubro Rosa, sempre me sinto incumbida de falar sobre o assunto. Porém, ultimamente, tenho tido pensamentos variados sobre falar ou não. Estou um pouco cansada de falar sobre o câncer. Primeiro, porque estou cansada mesmo. Segundo, porque o câncer não me define. Mas passar por um segundo câncer — e desta vez de uma forma tão dura e difícil, no meu caso por conta da mastectomia unilateral, das inúmeras complicações da reconstrução e das adaptações físicas e mentais ao implante — não tem sido nada fácil.


A confirmação de que estou sem câncer já veio duas vezes este ano, mas ainda faço quimio por precaução. As idas ao médico, os tratamentos paralelos e as tantas questões que derivam do próprio tratamento ainda me assombram. Todo santo dia. É um viver, sobreviver diário.


Recentemente, ainda descobri um câncer de pele. Mesmo não tendo nada a ver com o de mama, é sempre aquela sensação: “é sério isso, Arnaldo?”O tratamento e seus adjuntos são praticamente um segundo trabalho. Dependendo do dia, passo de três a quatro horas só com coisas relacionadas a ele. Não tem trégua. Não tem descanso.É trabalho em casa, trabalho do trabalho, trabalho do tratamento.Mas ainda assim, dizem que estou ótima.


Mas você está ótima!

Queria muito, neste ano, vir aqui deixar uma mensagem de força para outras amigas e mulheres que estão em tratamento — ou que vão começar. E, mesmo depois desse relato-desabafo, quero dizer que, apesar de tudo, sigo positiva. Sigo agradecendo, sigo na fé. Mas, neste exato momento, é um mix diário de “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima” que… cansa. O cansaço bate à porta quase todos os dias. Tento ignorar, mas às vezes deixo ele entrar. E dizem que estou ótima. Que bom!

 
 

Quando ouvi pela primeira vez do meu oncologista que o novo tratamento que estou fazendo para essa recidiva não tem uma data específica para terminar — mesmo com um diagnóstico negativo — pensei que, mesmo que levasse alguns anos, em algum momento eu estaria livre disso.


Vou encaixar isso na minha vida — e não o contrário

Mas na minha última infusão essa semana (eu faço a cada três semanas), perguntei de novo, porque estou planejando uma viagem ao Brasil e queria ficar mais tempo do que esse intervalo. Para minha decepção, ele me disse que ainda não pode prever uma data de término. Simplesmente não há dados suficientes, e cada caso é diferente. A única coisa que ele sabe com certeza é: se eu parar, pode voltar.


Nada divertido.


Ele disse que, no fim, serei eu quem terá que decidir se vale a pena pular uma infusão para algo importante — como estender minha estadia no Brasil.


Ouvir isso me trouxe um turbilhão de emoções. Levei dois dias para conseguir escrever sobre o assunto. Nunca imaginei passar por um câncer de mama, muito menos duas vezes. Sem mutação genética, sem histórico familiar, sem maus hábitos de saúde. E mesmo assim… aqui estou. De novo.


E agora, saber que vou depender desse medicamento por um tempo imprevisível, é puxado.


Você pode pensar: “Mas qual o problema? Muitas mulheres com câncer de mama tomam remédio todos os dias por 5 ou 10 anos.” O que pesa pra mim é precisar ir a uma clínica oncológica a cada três semanas. Tomar os pré-medicamentos que bagunçam minha cabeça — especialmente o corticoide. Perder o dia inteiro porque eles me deixam exausta. Depender de alguém pra me levar. Não poder simplesmente planejar uma viagem longa para ver minha família e amigos sem pensar nas datas do tratamento.



Minha vida inteira precisa ser planejada em torno das datas da infusão.


Ainda bem que tirei o acesso, porque aquela coisinha seria minha “amiga para sempre” por tempo demais — e aquilo incomoda muito!


Agora, a única coisa que posso fazer é ressignificar tudo isso. Talvez leve um tempo — ou não. Mas eu preciso encontrar uma forma de encaixar esse tratamento na minha vida, e não viver em função dele. Não quero me sentir escrava disso.


Toda essa jornada com o câncer — a primeira e a segunda — trouxe muita coisa pra refletir. E principalmente, pra me adaptar. É muita coisa pra processar. Mas a única maneira que sei de seguir é ressignificar cada pequeno desafio… e ser grata.


Sim — grata pelas experiências, pelas possibilidades, pela força que a gente tira de dentro e pelo apoio que recebemos. Me dá uns dias. Tô ressignificando.

 
 

Uma das histórias que a minha mãe sempre gostou de me contar e relembrar é da minha cisma em usar certos acessórios ou roupas quando criança, sem explicação ou inspiração em nada ou ninguém. Eu simplesmente cismava e não me importava com olhares alheios ou comentários sobre ser estranho ou cafona. A mais notável história foi a da gravatinha.


A Gravatinha Roxa
Sim, essa sou eu pequenina na foto da escola, usando a minha indefectível gravatinha roxa. 

Lá pelos 7 anos, eu cismei em usar gravatinhas borboleta. Tinha uma principal, de tecido roxo, e uma outra de plástico que usava menos. Cheguei a usar até uma gravata de crochê lilás - sim, de crochê! Mas a que eu mais gostava, e achava cool, era a gravatinha borboleta de tecido na cor roxa. Combinava com os mais diferentes looks — o importante era o acessório estar ali. Era meu, e ninguém mais tinha ou usava algo igual. Lembro de diversas vezes em que íamos sair em família e minha mãe perguntava: “Vai de gravata mesmo?” E eu não tinha dúvida: sim. Vergonha alheia, talvez, para uma mãe. Mas eu tinha a certeza de que estava abafando.


Nunca levei isso para a terapia, mas seria interessante um dia colocar esse tema em pauta. Recentemente, fazendo um exercício de estratégia de marketing, tivemos que analisar como éramos quando criança — nossas aspirações, o que queríamos ser quando crescer, características marcantes e outros traços. E lá veio ela, com toda a sua força fashion: a gravatinha roxa.


Ao analisar esse símbolo tão forte para mim, fui percebendo que, desde cedo, carregava esse sentimento de não pertencimento a um grupo específico ou de não me encaixar em apenas uma “categoria”. E que isso, na infância, não trazia angústia ou questionamentos — era simplesmente viver minha identidade em plenitude. Ter a liberdade de ser quem eu era, mesmo com olhares de reprovação, e seguir em frente.


A Gravatinha Roxa

Isso, mais tarde, foi se transformando em estar um pouco à frente do tempo, às vezes falando mais do que devia ou compartilhando mais do que era “esperado”. Também tive, na vida adulta, momentos em que escondi esse meu lado f*da-se-o-que-os-outros-vão-pensar — me anulando ou me adaptando demais. Mas é claro que, quando chegava a hora de escrever um texto autoral, o tema do pertencimento, da aceitação e da valorização sempre aparecia no meu trabalho.


Desde o primeiro tratamento de câncer, em 2022, esse assunto veio com força total. E agora, nesta segunda leva (que já foi, bye-bye, câncer!), explodiu de vez. A gravatinha roxa virou o meu símbolo interno, pra me lembrar de ser quem eu sou — e não ter vergonha, nem a necessidade (ou seja lá o que for) de não vivenciar isso na sua mais pura essência.


Continuo acreditando na importância da maleabilidade para se adaptar às circunstâncias. Afinal, viver o seu eu verdadeiro é bem diferente de teimosia ou de querer chocar quem é diferente de você. Com a maturidade, a gente entende isso. Porém, a adaptação constante — à vida social, profissional, familiar — tem seu limite. E ele aparece quando você volta à sua infância e se pergunta: onde foi parar aquela criança?


Eu já achei a minha gravatinha roxa de volta. E você?


 
 
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